Wednesday, December 20, 2006

"fantasmas" (ecdr, 2005)

ficha técnica "fantasmas"

"Fantasmas" - ficção, 15min., mini-dv

Curta-metragem de graduação dirigido por Bruno Diel e Luiz de Pina pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro (Rio de Janeiro, 2005)

Sinopse: Mãe e filho vivendo em condições de extrema pobreza disputam a posse de umacarta que esconde algo revelador, mas a mãe fará tudo para não permitir que o filho a leia.

ELENCO
Maria Amélia Menezes
Chico Braga
Joana Seibel

EQUIPE TÉCNICA
Direção: Bruno Diel e Luiz de Pina
Roteiro: Roberta de Freitas, Tereza Karabtchevsky e Luiz de Pina
Produção: Bruno Diel e Luciana Alcaraz
Direção de Fotografia: Claudio Brandão
Direção de Arte: Claudio Egídio Hudolph
Edição: Felippe Mussel
Som direto: José Valmórbida, Paulo Felipe, Guga Brandão
Edição de Som: Felippe Mussel e Fernando Villas
Música: Radiohead
Assist. de direção: Luciana Alcaraz
Câmera: Joana Luz
Câmera adicional e assist. de fotografia: Rodrigo Graciosa
Platô: Silvio de Andrade
Maquiagem e caracterização: Fernanda Santoro
Continuidade e boletim de câmera: Carla Dutra
Assist. de edição: Fábio de Melo e Gabriela Paschoal
Eletricista: Renato Marcelino
Alimentação: Dona Tereza
Design gráfico: Bruno Diel
Supervisão de Roteiro e Direção: Paulo Halm

making-off "fantasmas"

















"fantasmas", por eric novello*

Todo mundo tem os seus fantasmas, alguns mais reais do que outros. Sábado passado Bruno Diel e Luiz de Pina exibiram alguns muito peculiares (o curta-metragem dirigido por eles foi originalmente escrito por Roberta de Freitas e Tereza Karabtchevsky). Apesar dos limites de tempo que caracterizam um curta, os diretores conseguiram explorar elementos de linguagem sem se desconectarem completamente de significados. Ao contrário, usaram esse fio em ponto de rompimento como mais um valor de sua história pós-morte.

Na estória, duas personagens (mãe e filho?) dividem um galpão abandonado em um edifício onde há poucos objetos, uma cadeira, e nada mais. Se a princípio parecem dois moradores de rua, ou versões modernas de sem tetos, logo se percebe que ambos são os fantasmas do título.

Nosso primeiro contato é com a mulher -- seus cabelos não estão nem penteados nem desarrumados, suas olheiras não são normais, mas não a transformam em um zumbi. Tudo que a envolve dá a idéia de inércia, sem início, sem fim, apenas meio. Ela destrói lembranças, rompe os vínculos com a existência da memória para poder existir somente naquele cubo de concreto. Quase como se aceitasse sua auto-condenação, por medo ou qualquer outro motivo, ou mesmo preferisse a ilusão do perfeito ao invés da vida real.

Os dois estão mortos (?), presos em uma espécie de limbo particular, sem cor, que não é preto, não é branco, é cinza. Poderiam estar vivos também e ter uma vida de merda, o que os tornaria mortos de qualquer forma e faria de suas vidas o limbo metafórico. Há muitos "vivos" que caminham nesse limite. Como nos casos da vida real, há uma falta de consciência da parte dos fantasmas em questão. Eles vivem uma rotina que se repete inesgotavelmente.

Vemos o homem pela primeira vez quando sobe a escada, mas na sua expressão nos mostra que sempre esteve lá, que sempre subiu aquela escada. A mulher, por sua vez, cozinha algo que nunca fica pronto, vive em seu galpão de miudezas como se houvesse uma vida inteira dentro daquela panela, por mais que seu rosto nos mostre o absoluto vazio. Essa mulher, possível mãe, tem a expressão de eternidade, parece a prisão familiar da qual algumas pessoas não escapam nunca. Já o homem, que nos é apresentado machucado, ferrado, em movimento, mostra que ele tenta, ele ainda sangra, se há sangue há vida, está em um estado de transição que se permite libertar.

Um dos signos do filme é a borboleta. O símbolo clássico da transformação, o que nos indica um possível rompimento da inércia, também intuído pelo subir das escadas do homem, diferente do andar para frente e para trás da mulher, no seu círculo contínuo ao mexer a panela. Nesse meio tempo surge a terceira personagem, uma mensageira que anuncia "não abra a carta". Essa carta, vermelha, pulsante, é vista nas mãos da mãe, que a abre hipnotizada. Não sabemos o seu conteúdo, dela só conhecemos a cor luminosa. A mulher/mensageira, ao pedir que não se leia a carta/mensagem, cria um efeito paradoxal, um curto-circuito em um universo circular, de repetições que devia funcionar sem interferências. O efeito causado na cabeça do homem é mais importante do que a possível mensagem existente no envelope. Curiosamente, o homem obedece à mensageira e, por força das circunstâncias, não abre a carta.

Ao perguntar de sua existência para a mãe, esta a nega, ainda que a tenha visto há pouco (ou há uma eternidade -- quanto duraria aquela escada?). Ela não mente, destinada a esquecer, ela só diz o que sabe. Disposta a manter o ciclo infindável, continua a preparar sua comida. O homem, seguindo não a razão (em nenhum momento demonstra razão), mas o seu instinto de fuga, olha pela janela, encara a luz, vê cruzes em canos e janelas, um cemitério de concreto ao seu redor. No seu estado manco, um símbolo de estado intermediário entre o que pode escapar e o que está prestes a parar no tempo, ele enfrenta a mulher, enfurecido. Não aceita a comida, não aceita o esquecimento. Derruba o prato. O espírito da mulher, assustado, arma-se com uma faca, mas é incapaz de vencer a inércia. O homem aproveita para se expor, ameaçá-la com sua própria fraqueza e assim ela sucumbe. Em um abraço cinematográfico o homem enfia a faca na mulher, rompe com o ciclo eterno, assume o controle do seu caminho, alcança a luz. Quando joga a faca no chão, vemos a última manifestação de cor (ou talvez a primeira de sua nova fase), o vermelho. O vermelho do envelope proibido que faz inveja a David Lynch.

***
*Eric Novello é formado em roteiro pela ECDR